Geral 27/05/2020 - 11:58:45
Conversar com a criança sobre o corpo dela pode prevenir abusos sexuais
Pais e professores devem falar sobre o assunto respeitando a faixa etária; nos últimos 18 meses, 162 acusados foram condenados à prisão pela 14ª Vara Criminal da Capital

Na semana que é marcada pelo Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a juíza Juliana Batistela, da 14ª Vara Criminal da Capital - Crimes Contra Populações Vulneráveis, dá dicas a pais e guardiões de como proteger crianças e adolescentes de serem vítimas de violência sexual.

Nos últimos 18 meses, a vara condenou à prisão 162 acusados de violência sexual contra crianças e adolescentes. 'A maioria foi condenada pela prática de estupro de vulnerável', explica a juíza Juliana Batistela. Para ela, falar sobre as partes íntimas do corpo e seus limites, respeitando a idade de cada um, é um cuidado importante para manter as crianças e os adolescentes informados e capazes de reconhecer quando alguém tenta fazer algo de errado com eles.

'É preciso ensinar as crianças, em linguagem acessível e respeitando sua faixa etária, quais são as partes íntimas do corpo, ensinando-lhes que, nesses locais, não se pode deixar as pessoas tocarem, a não ser as pessoas responsáveis pela sua limpeza, sendo dever dos pais indicar quem são essas pessoas e como deve ser realizado cada ato', destacou a juíza.


Segundo a magistrada, dá para falar sobre esse assunto e ainda respeitar o momento que a família entende ser adequado para abordar a sexualidade. Na escola, os professores podem ensinar sobre o corpo humano e de forma genérica, sem fazer juízo de valor ou moral, explicar o aspecto biológico acessível a cada faixa etária.

Ser amigos dos filhos

Para a magistrada, é fundamental ser amigo dos filhos, saber o que estão fazendo, assistindo, com quem conversam e o que conversam com as pessoas. Estimular a confiança da criança nos pais para que se sintam acolhidos é uma importante arma contra os criminosos.

'É preciso que seu filho se sinta seguro para lhe contar qualquer coisa, inclusive uma situação de abuso. Na maioria das vezes, os abusadores pedem às crianças para manterem o ocorrido em segredo, ou dizem que irão matar a mãe ou algum outro membro querido da família, e, em razão disso, a criança fica temerosa e mantém o sigilo', revela Juliana Batistela.

Observar quem cuida da criança


Os guardiões devem estar atentos com quem deixam as crianças, já que muitos casos de abusos ocorrem quando elas passam horas sozinhas com um adulto, que pode ser membro da família, amigo, empregado ou conhecido.

'Se for preciso deixá-lo por horas com um adulto ou um adolescente responsável, tenha meios de vigiá-los por um tempo para saber como é esta relação, pergunte a seu filho como ele ficou com a pessoa, nunca confie totalmente. E se seu filho manifestar desinteresse ou chateação em ficar com a pessoa, investigue as causas, levando em consideração todas as informações que ele apresentar. As crianças raramente inventam os abusos', disse a magistrada Juliana Batistela.

Redes sociais e presentes


Os pais devem estar sempre vigilantes com o uso das redes sociais dos filhos. A maioria não é adequada para menores de 14 anos devido aos riscos que oferecem. É necessário que as crianças e os adolescentes sejam orientados de que do outro lado da tela pode haver um criminoso. 

Nas redes sociais um homem pode se passar por uma garota, ou um idoso por um jovem, para conquistar a atenção da criança ou do adolescente e pedir fotografias, dados, marcar um encontro. 

Outro cuidado que deve ser tomado é ensinar desde cedo que não devem receber presentes de estranhos ou de conhecidos que peçam algo em troca. Esta é uma das artimanhas mais utilizadas por abusadores para atrair as vítimas. Os criminosos também podem oferecer recompensas em troca do abuso ou do silêncio.

Adulto referência

Infelizmente a prática de violência sexual no lar da própria vítima é algo comum. Nesses casos, é fundamental o papel de um adulto referência, alguém que perceba comportamentos diferenciados na vítima e tome as providências cabíveis.

'Muitos casos de abuso sexual realizado dentro da casa da criança são percebidos primeiramente por uma professora, um vizinho, um parente que não reside com a criança. Essa pessoa pode encaminhar a situação para as autoridades competentes, quando verificar que existe uma ausência de socorro por parte da genitora, a qual também pode ser vítima de violência e, devido a isso, não tenha coragem de denunciar', esclareceu a magistrada.

Ameaças à mãe


'Muitas crianças silenciam sobre a violência sofrida por amor a sua mãe. Frequentemente, quando os abusos são feitos pelo padrasto ou genitor da criança, eles a ameaçam de que, caso conte a alguém sobre a violência, irão matar a sua própria mãe', revelou a juíza Juliana Batistela.

Na maioria dos casos, esses homens já são violentos com a companheira, as vítimas entendem que a ameaça é real e silenciam. De acordo com a juíza Juliana Batistela, muitas vezes a mãe não percebe abusos durante anos e isso pode ser por um processo de negação da realidade ou porque também foram abusadas na infância e acabam entendendo a situação como normal. 'Ainda há mulheres que têm receio de perder o provedor da casa, o homem que sustenta a família e, devido a isso, silenciam'.

É nesse contexto que as redes de apoio demonstram sua importância com o trabalho de assistência social, de políticas de empoderamento feminino e de conscientização das mazelas do abuso sexual.

'Estudos demonstram que a maioria dos abusadores já foi abusada e as genitoras de vítimas também foram abusadas quando eram crianças ou adolescentes. Para se cortar o ciclo da violência sexual que vem de gerações é necessário conscientização, tratamento e políticas públicas visando à saúde mental e a assistência social adequada a essas famílias, vítimas e ofensores', comentou a juíza.


Robertta Farias - Dicom TJAL
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