TJAL forma equipes para atuar com grupos de homens autores de violência contra a mulher
Professora Jaqueline Lima explica, em entrevista, o impacto de círculos reflexivos para promover a autorresponsabilização masculina
Membros de equipes multidisciplinares de todo o estado participaram do curso promovido pela Esmal nos dias 22 e 23 de maio. Foto: Carolina Amancio (Ascom/Esmal)
Nesta quinta-feira (23), membros das equipes multidisciplinares do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) concluíram uma capacitação sobre a condução de grupos reflexivos para homens autores de violência (HAV). A formação foi ministrada pela professora Jaqueline da Silva Lima, doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
O objetivo da capacitação foi equipar os servidores das equipes multidisciplinares de todo o estado, que são profissionais de psicologia, pedagogia e serviço social, com conhecimentos teóricos e metodológicos sobre letramento de gênero, bem como refletir sobre as violências vivenciadas por mulheres. Na ocasião foi debatida a utilização de ferramentas úteis para a condução de grupos reflexivos nas diversas áreas de atuação das equipes.
Carolina Monteiro, psicóloga com mais de dez anos de experiência no Tribunal, atualmente trabalhando no 2º Juizado da Capital de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, acredita que há uma preocupação do TJ em se preparar para essa demanda de forma ainda mais qualificada.
“Hoje já existem alguns grupos em andamento, uns são realizados pelas próprias equipes, outros através de parcerias. Há um movimento nacional para ampliar o alcance desses grupos reflexivos e essa capacitação é essencial para que possamos entender como essa demanda vai chegar e quais estratégias cada um, de acordo com a sua realidade local, utilizará para criar condições de atendê-la”, avaliou Carolina.
Para Rafaela Santos de Oliveira, assistente social também no 2º Juizado, é essencial trabalhar não apenas com as mulheres, mas também com os homens autores de violência.
“Conscientizá-los ajuda a prevenir futuras ocorrências, seja com a mesma parceira ou com outras. Entender para onde encaminhamos esses homens e o que é feito nos grupos é fundamental para que possamos contribuir mais eficazmente nas intervenções”, explicou Rafaela.
Entrevista
A capacitação promovida pela Escola Superior da Magistratura (Esmal) visa melhorar a eficácia dos acompanhamento e dos encaminhamentos de homens para grupos reflexivos, promovendo uma ação ainda mais articulada por parte do TJAL. A seguir, a professora Jaqueline Lima explica suas perspectivas sobre o impacto do letramento de gênero e os desafios enfrentados ao promover a autorresponsabilização de homens autores de violência.
1 - Como o letramento de gênero pode impactar positivamente a atuação dos servidores públicos no atendimento a mulheres que vivenciam violências, bem como na condução desses grupos reflexivos com homens autores de violência?
Jaqueline: O letramento em gênero é uma prerrogativa necessária para a compreensão de diversos conceitos que envolvem a construção social da mulher e do homem em sociedade. Essa construção é realizada por ditames da cultura patriarcal, sexista, machista e heteronormativa. O entendimento desses conceitos colabora para uma atuação dos servidores dentro de uma perspectiva de gênero em sua totalidade, abordando não só a violência doméstica contra as mulheres, mas também a intervenção de mudança e superação com os autores dessa violência. Compreender que homens e mulheres não nascem violentos, mas se tornam violentos em um contexto de construção social e vivências, ajuda a desconstruir a cultura patriarcal e heteronormativa que conhecemos.
2 - Quais são os principais objetivos dos grupos reflexivos voltados para homens autores de violência contra a mulher e como esses objetivos são alcançados na prática?
Jaqueline: Os principais objetivos são possibilitar um novo sentido à passagem do autor de violência pela justiça, proporcionar autorresponsabilização através da dinâmica de conhecimento do processo de violência, e promover o enfrentamento das diversas nuances de violência doméstica contra as mulheres, visando principalmente a não reincidência dos autores de violência. Na prática, isso é alcançado através de um processo de acompanhamento grupal, observando eixos norteadores e temáticas como sistema de crenças e masculinidades, gênero e violências, habilidades relacionais, Lei Maria da Penha e autorresponsabilização. A abordagem progressiva desses temas, desde reflexões individuais até a responsabilidade social, promove uma mudança de comportamento e a prevenção de novas incidências de violência.
3 - Quais são as principais resistências ou desafios encontrados pelos facilitadores ao trabalhar com homens autores de violência e como essas barreiras podem ser superadas?
Jaqueline: A principal resistência é a negação por parte dos autores em se reconhecerem como autores de violência, devido à naturalização das diversas violências perpetradas contra as mulheres ao longo do tempo. Além disso, os desafios próprios de se trabalhar com grupos, que necessitam de preparo e conhecimento sobre o objetivo final da realização do grupo, são significativos. Superar essas barreiras requer um trabalho de reflexão e ressignificação das práticas naturalizadas, alcançando pequenos avanços individuais que são de grande valia. Se superamos a negação da violência e iniciamos o processo de autorresponsabilização, o objetivo foi alcançado.
4 - Como a formação de grupos reflexivos contribui para a mudança de comportamento dos participantes e a prevenção de novas incidências de violência?
Jaqueline: A formação de grupos reflexivos contribui ao criar um microcosmo da sociedade, onde os participantes podem se reconhecer e refletir sobre suas ações. Esses grupos permitem trabalhar com os homens em um contexto de mudança de comportamento, desnaturalizando vivências de violência e promovendo a construção de uma nova identidade masculina que não está ligada à violência. Ao desconstruir a ideia de que ser homem significa ser violento, os grupos ajudam a prevenir novas ocorrências de violência e a promover relações mais saudáveis e respeitosas.
Carolina Amancio – Ascom Esmal
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