“Esse concurso foi uma surpresa muito boa”, diz finalista
Com dois poemas classificados, Sydney Wanderley retrata sua maturidade poética
Final do concurso Poesia em Cena ocorre na próxima quinta, dia 21 Esmal
“A poesia é a minha vida”, declara o assessor judiciário e poeta alagoano Sydney Wanderley, um dos doze poetas classificados para a final do Concurso Nacional Literário Poesia em Cena, promovido pela Assessoria Cultural da Escola Superior da Magistratura de Alagoas (Esmal).
Nascido em Viçosa (AL), ele saiu de sua cidade natal ainda menino para estudar em Maceió. Aos 17 anos, já cursando Medicina, era chamado pejorativamente de 'poeta'. “Eu não gostava do curso de Medicina, por isso era chamado de poeta, por ser voador. Era uma gíria para quem não era muito atencioso”. A partir dali se aproximou da poesia.
Apaixonado por futebol, cinema e literatura, ele hoje trabalha em sua própria casa como revisor de monografias, dissertações, teses e livros, além do trabalho numa assessoria judiciária. Admirador do poeta alagoano Jorge Cooper, Sydney teve várias influencias ao longo da vida de escritores consagrados como Carlos Drummond de Andrade, com quem manteve contato durante muito tempo, João Cabral de Melo Neto e do paulista Raduan Nassar.
O Baile e Inequação são os dois poemas classificados para a final do concurso, que acontece no próximo dia 21. “Fiquei sabendo do concurso pelos sites de notícias e imprensa em geral. Quando me inscrevi esperava classificar um poema, mas concorrer com dois foi uma surpresa boa pra mim”, declara.
Com 51 anos de idade, dos quais 33 foram dedicados a poesia, e com nove livros de poesias publicados - o último, Chuva e Não, lançado no fim do ano passado (2009)-, o poeta não dispensa a autocrítica para crescer na sua arte, mas a fama é a última coisa que o preocupa. “Eu não ligo para sucesso. O que eu quero é ter leitores que me interroguem, me questionem e me critiquem”.
Confira na íntegra o poema “O Baile”
O BAILE
Autor: Sydney Wanderley (Maceió/AL)
Intérprete: Otávio Cabral (Maceió/AL)
Minha cara amiga, o apartamento
é esta choça caótica em que te encontras perdida:
apenas livros, livros, inseto e poeira
por todos os cantos, por todas as frestas,
por todos os cômodos a indesejada maresia
a misturar-se com o mofo desta estante,
e eu estou aflito e não creio em Deus,
e eu não tenho ópio, não tenho sono,
apenas uma louca vontade de bailar
como bailam no ar as bolhas de sabão,
mas eu não tenho discos
eu não tenho discos
e, por isso, peço
aliás, ordeno -
que dances,
que dances,
que dances para mim
como uma cobra indiana
dança para seu dono
ao som de um bom flautim;
que dances,
que dances,
que dances para mim
como as ervas dançam quando há vento nos canteiros
os carrapichos dançam por entre a lã dos carneiros
como dança uma mosca cobiçando um doce nu:
que dances,
que dances,
que dances para mim
como dançam meus olhos ao descobrir
teu corpo
coberto apenas por tua pele,
essa pele mais clara que a manhã
quando amanhece;
que dances,
que dances,
que dances para mim
ao som de meus festivos assovios,
minhas palmas descompassadas,
meus gritos fora de ritmo,
por esta manhã e esta tarde inteirinhas
deste bom feriado que o mau patrão nos concedeu,
até que, cheia ou nova, a lua surja
rebolando quartos crescentes e minguantes,
e só então peço que cesses esta dança,
peço que acalmes este corpo,
mas que mantenhas esta chama,
mas que preserves este fogo
e me acolhas nestes braços
como a um guri,
para que eu dance,
que eu dance,
que eu dance
até o fim de minhas forças:
dentro de ti.
Confira na íntegra o poema “Inequação”
INEQUAÇÃO
Autor: Sydney Wanderley (Maceió/AL)
Intérprete: Otávio Cabral (Maceió/AL)
Não se entra e sai da amada
como se entra e sai do teatro.
Do teatro se entra e sai
da mesma forma e maneira:
com cinco dedos por mão,
com vinte dedos no corpo,
trinta idéias na cabeça,
algum dinheiro no bolso;
com vida, se entrarmos vivos,
defuntos, se entrarmos mortos.
Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de menos:
pode ser farto suor
a encharcar nossas vestes,
nosso sangue, nosso sêmen
que em seu ventre floresce,
pode ser nossa agonia,
careta nossa de gozo,
nossa contrição de prece,
ou a fadiga que inunda
e mina os corpos prostados,
enquanto ruge lá fora
um vento desorbitado.
O fato é que algo resta
longe de nós, naufragado,
e não mais somos quem éramos
quando, cansados, fugimos
do mar gozoso da amada.
Não se entra e sai da amada
como se entra e sai de um auto.
Num auto se entra e passeia
por ladeiras e ruas planas,
por campos, charcos, desertos,
asfalto, barro batido,
canaviais, açucenas,
e ao final da jornada
restamos inteiros e vivos
de igual forma como entramos.
Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de excesso:
pode ser o seu perfume
recendendo em nossa pele,
a mancha do seu batom
tatuada em nosso ombro,
um pelo negro do púbis
boiando em nossa saliva,
ou o nosso peito inflado
de senhor-dono do mundo
(porque senhores da amada).
O fato é que ao final
da batalha sem porfia
em nosso corpo gravita
o que antes não ousaria:
um sargaço, um crustáceo,
sol, areia, maresia,
ou algo que antes no mar
gozoso da amada dormia.
Em verdade não se entra
como se sai da amada:
em nós algo se acrescenta,
ou em nós algo há
que falta.













