Esmal 18/01/2010 - 11:42:35
“Esse concurso foi uma surpresa muito boa”, diz finalista
Com dois poemas classificados, Sydney Wanderley retrata sua maturidade poética

Final do concurso Poesia em Cena ocorre na próxima quinta, dia 21 Final do concurso Poesia em Cena ocorre na próxima quinta, dia 21 Esmal

     “A poesia é a minha vida”, declara o assessor judiciário e poeta alagoano Sydney Wanderley, um dos doze poetas classificados para a final do Concurso Nacional Literário Poesia em Cena, promovido pela Assessoria Cultural da Escola Superior da Magistratura de Alagoas (Esmal).

     Nascido em Viçosa (AL), ele saiu de sua cidade natal ainda menino para estudar em Maceió. Aos 17 anos, já cursando Medicina, era chamado pejorativamente de 'poeta'. “Eu não gostava do curso de Medicina, por isso era chamado de poeta, por ser voador. Era uma gíria para quem não era muito atencioso”. A partir dali se aproximou da poesia.

     Apaixonado por futebol, cinema e literatura, ele hoje trabalha em sua própria casa como revisor de monografias, dissertações, teses e livros, além do trabalho numa assessoria judiciária. Admirador do poeta alagoano Jorge Cooper, Sydney teve várias influencias ao longo da vida de escritores consagrados como Carlos Drummond de Andrade, com quem manteve contato durante muito tempo, João Cabral de Melo Neto e do paulista Raduan Nassar.

     O Baile e Inequação são os dois poemas classificados para a final do concurso, que acontece no próximo dia 21. “Fiquei sabendo do concurso pelos sites de notícias e imprensa em geral. Quando me inscrevi esperava classificar um poema, mas concorrer com dois foi uma surpresa boa pra mim”, declara.

     Com 51 anos de idade, dos quais 33 foram dedicados a poesia, e com nove livros de poesias publicados - o último, Chuva e Não, lançado no fim do ano passado (2009)-, o poeta não dispensa a autocrítica para crescer na sua arte, mas a fama é a última coisa que o preocupa. “Eu não ligo para sucesso. O que eu quero é ter leitores que me interroguem, me questionem e me critiquem”.

     Confira na íntegra o poema “O Baile”

     O BAILE

     Autor: Sydney Wanderley (Maceió/AL)

     Intérprete: Otávio Cabral (Maceió/AL)

     Minha cara amiga, o apartamento

     é esta choça caótica em que te encontras perdida:

     apenas livros, livros, inseto e poeira

     por todos os cantos, por todas as frestas,

     por todos os cômodos a indesejada maresia

     a misturar-se com o mofo desta estante,

     e eu estou aflito e não creio em Deus,

     e eu não tenho ópio, não tenho sono,

     apenas uma louca vontade de bailar

     como bailam no ar as bolhas de sabão,

     mas eu não tenho discos

     eu não tenho discos

     e, por isso, peço

     aliás, ordeno -

     que dances,

     que dances,

     que dances para mim

     como uma cobra indiana

     dança para seu dono

     ao som de um bom flautim;

     que dances,

     que dances,

     que dances para mim

     como as ervas dançam quando há vento nos canteiros

     os carrapichos dançam por entre a lã dos carneiros

     como dança uma mosca cobiçando um doce nu:

     que dances,

     que dances,

     que dances para mim

     como dançam meus olhos ao descobrir

     teu corpo

     coberto apenas por tua pele,

     essa pele mais clara que a manhã

     quando amanhece;

     que dances,

     que dances,

     que dances para mim

     ao som de meus festivos assovios,

     minhas palmas descompassadas,

     meus gritos fora de ritmo,

     por esta manhã e esta tarde inteirinhas

     deste bom feriado que o mau patrão nos concedeu,

     até que, cheia ou nova, a lua surja

     rebolando quartos crescentes e minguantes,

     e só então peço que cesses esta dança,

     peço que acalmes este corpo,

     mas que mantenhas esta chama,

     mas que preserves este fogo

     e me acolhas nestes braços

     como a um guri,

     para que eu dance,

     que eu dance,

     que eu dance

     até o fim de minhas forças:

     dentro de ti.

     Confira na íntegra o poema “Inequação”

     INEQUAÇÃO

     Autor: Sydney Wanderley (Maceió/AL)

     Intérprete: Otávio Cabral (Maceió/AL)

     Não se entra e sai da amada

     como se entra e sai do teatro.

     Do teatro se entra e sai

     da mesma forma e maneira:

     com cinco dedos por mão,

     com vinte dedos no corpo,

     trinta idéias na cabeça,

     algum dinheiro no bolso;

     com vida, se entrarmos vivos,

     defuntos, se entrarmos mortos.

     Na amada mergulhamos

     por completo, inteiramente,

     e quando à tona tornamos

     há em nós algo de menos:

     pode ser farto suor

     a encharcar nossas vestes,

     nosso sangue, nosso sêmen

     que em seu ventre floresce,

     pode ser nossa agonia,

     careta nossa de gozo,

     nossa contrição de prece,

     ou a fadiga que inunda

     e mina os corpos prostados,

     enquanto ruge lá fora

     um vento desorbitado.

     O fato é que algo resta

     longe de nós, naufragado,

     e não mais somos quem éramos

     quando, cansados, fugimos

     do mar gozoso da amada.

     Não se entra e sai da amada

     como se entra e sai de um auto.

     Num auto se entra e passeia

     por ladeiras e ruas planas,

     por campos, charcos, desertos,

     asfalto, barro batido,

     canaviais, açucenas,

     e ao final da jornada

     restamos inteiros e vivos

     de igual forma como entramos.

     Na amada mergulhamos

     por completo, inteiramente,

     e quando à tona tornamos

     há em nós algo de excesso:

     pode ser o seu perfume

     recendendo em nossa pele,

     a mancha do seu batom

     tatuada em nosso ombro,

     um pelo negro do púbis

     boiando em nossa saliva,

     ou o nosso peito inflado

     de senhor-dono do mundo

     (porque senhores da amada).

     O fato é que ao final

     da batalha sem porfia

     em nosso corpo gravita

     o que antes não ousaria:

     um sargaço, um crustáceo,

     sol, areia, maresia,

     ou algo que antes no mar

     gozoso da amada dormia.

     Em verdade não se entra

     como se sai da amada:

     em nós algo se acrescenta,

     ou em nós algo há

     que falta.