Câmara Cível 27/04/2010 - 15:52:28
Município é condenado a indenizar idoso por demolição indevida
Desembargador Tutmés Airan considerou insensível a ação do ente público ao demolir residência

Tutmés Airan, desembargador-relator Tutmés Airan, desembargador-relator Caio Loureiro (Dicom/TJ)

     “[...] é razoável que uma pessoa que se encontra nesta altura da vida [99 anos] passar pelo transtorno de ver sua moradia ser demolida? [...]”

     O desembargador Tutmés Airan de Albuquerque Melo fez esse questionamento em um processo julgado nesta segunda-feira (26), pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), em que se condenou o município de Maceió a indenizar José Ricardo da Silva. O município demoliu indevidamente a casa de José Ricardo, um senhor de 99 anos. O desembargador entendeu que a administração pública feriu os direitos fundamentais do idoso à dignidade humana, à cidadania, à propriedade e à habitação digna.

     José Ricardo da Silva recebeu, da Arquidiocese de Maceió, a doação de um terreno situado próximo à Praça Floriano Peixoto, em Ipioca, Maceió. O idoso afirma que possuía o domínio direto do imóvel desde 1985, conforme registro no Cartório do 3º Ofício de Notas da Comarca de Maceió – AL, tendo ali construído uma casa e feito dela sua única e exclusiva morada até 2007, quando foi demolida pelo Município.

     A administração pública derrubou o prédio, alegando que se tratava de uma construção irregular. O idoso entrou com pedido de indenização, alegando que, em decorrência do prejuízo, sofreu diversos transtornos, pois é aposentado e recebe apenas um salário mínimo, o qual é gasto em sua maior parte com medicamentos, por conta de diversos problemas de saúde adquiridos ao longo dos seus 99 anos.

     Desabrigado, José Ricardo viu-se forçado a pagar aluguel, pois não tem familiares para o amparar, e isso comprometeu ainda mais a sua renda. Assim, pediu que o município pagasse o seu aluguel até o julgamento final do processo.

     O ente público por sua vez reafirmou se tratar de uma construção irregular, inacabada, construída em local impróprio, necessitando ser demolida. Acrescentou que se tratava de uma invasão de terreno público, sendo também parte de uma área de preservação ambiental. Alegou ainda que não percebia causar lesão moral ou material ao ter operado a demolição, e que por várias vezes tentou notificar José Ricardo da demolição, mas não o encontrou pessoalmente, entregando a notificação à associação dos moradores de Ipioca.

     O juiz de primeiro grau negou a indenização ao aposentado por entender que o município não tinha a responsabilidade de arcar com as despesas de José Ricardo. Aquele magistrado entendeu ainda que o município agiu legalmente no exercício da administração pública. E houve uma tentativa de conciliação, mas o município recusou o acordo. Isso fez com que o idoso apelasse da decisão do juiz, requerendo a reforma da sentença.

     A insensibilidade

     O relator do processo, desembargador Tutmés Airan, viu insensibilidade no trato com o aposentado. “Seja como for, foi determinada a demolição do imóvel, aliás totalmente descabida, pois a administração não ponderou as consequências de seu ato. O ora apelante [José Ricardo] é uma pessoa com 99 anos de idade, possuindo várias restrições, percebendo apenas um salário mínimo a título de aposentadoria, quantia esta que é usada em sua maior parte para a compra de remédios como mostra prova aos autos, o que, aliado ao fato de não ter família para lhe amparar, agravada ainda mais suas condições de sobrevivência”, considerou.

     O desembargador também disse que o município não provou com documentos que tentou notificar o aposentado, apenas relatou no processo a dificuldade de fazê-lo. Não provou também que o terreno era área de preservação ambiental, pois não apresentou documentos que confirmasse a alegação. Já o aposentado provou que tinha recebido o terreno em doação da Igreja, pois apresentou os documentos necessários.

     O relator disse ainda que José Ricardo pagou o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), e em nenhum momento o município se recusou a receber o pagamento. Segundo o desembargador, tal atitude reconhece a natureza privada do imóvel.

     O desembargador Tutmés Airan considerou o constrangimento que passou o aposentado ao ver sua casa ser demolida. “Diante de todos os argumentos acima citados, fica evidenciada a ilegalidade e inconstitucionalidade da demolição, mesmo porque ao praticar um ato deste porte, deve analisar, primeiramente, a repercussão que tal conduta terá na vida de quem habita o imóvel, bem como as condições de sobrevivência que o lesado terá após a prática deste ato, já que também é dever do poder público garantir uma moradia digna aos cidadãos”, considerou.

     Segundo o magistrado, estão evidentes os danos morais e materiais sofridos pelo idoso e por isso determinou que o município pague uma multa de R$ 7 mil por danos materiais a José Ricardo, mais R$ 3 mil pelo constrangimento sofrido pelo aposentado, totalizando numa pena de R$ 10 mil.