Esmal 18/11/2010 - 11:21:09
"Não vou fazer feijoada na casa da branca, vou virar juíza e voltar aqui”
Juíza Luislinda falou sobre discriminação racial durante palestra da Semana da Consciência Negra

Primeira juíza negra emociona ouvintes durante palestra contra racismo Primeira juíza negra emociona ouvintes durante palestra contra racismo Caio Loureiro

     A juíza baiana Luislinda Valois emocionou o público que foi prestigiar o segundo dia de apresentações da Semana Esmal da Consciência Negra nesta quarta-feira (17). O auditório estava repleto de um público diverso, desde militantes pelas causas das ditas minorias até autoridades do Poder Público alagoano. Com a palestra “A Mulher Negra nos Três Poderes da República”, a juíza discorreu sobre o racismo, sobretudo contra as mulheres negras e nordestinas.

     “Luto pelos ‘PPPs’, aqueles que são chamados de ‘pretos, pobres e periféricos’. Luto pelas mulheres negras e nordestinas porque são as mais discriminadas do País, inclusive, luto pela inclusão de mais mulheres na magistratura”, afirmou Luislinda, que foi a primeira mulher negra a exercer o cargo de magistrada, em 1984, e a proferir uma sentença contra o racismo no Brasil.

     Em meio a uma palestra emocionante, a magistrada não conteve as lágrimas ao relembrar de um preconceito sofrido por ela quando ainda era criança. A juíza afirmou que seus pais não tinham dinheiro para comprar o material da escola e, por isso, seu professor opinou que seria melhor ela parar de estudar e ir fazer “feijoada na casa da branca”. Com a voz embargada, Luislinda comentou que saiu aos prantos, mas voltou e respondeu: “eu não vou fazer ‘feijoada na casa da branca’; eu vou estudar, virar juíza e voltar aqui”, relatou, arrancando uma salva de palmas da plateia.

     A magistrada também abordou a condição de conformidade dos nordestinos; relembrou o papel de Zumbi dos Palmares para a história dos negros no Brasil; respondeu a questionamentos da plateia sobre a condição vulnerável da mulher negra na pós-escravidão, dentre outras temáticas.

     “Participar deste momento em Alagoas é algo gratificante, pois aqui é a terra de Zumbi, a terra da Consciência Negra. É marcante na minha vida, mais um passo que dou na luta pelas ditas minorias”, afirmou Luislinda, enfatizando que “estar neste Estado, onde o Poder Judiciário é comandado por uma mulher, é luxuoso demais”.

     Histórico Premiado

     Luislinda Valois reativou dezenas de Juizados Especiais em municípios da Bahia, criou a Justiça Itinerante - sala de audiência instalada dentro de um ônibus que atende os bairros carentes de Salvador e Feira de Santana - e o Juizado Itinerante Marítimo, que conduz profissionais até as ilhas da Bahia. Coordenou ainda o Balcão de Justiça e Cidadania e levou a lei às comunidades quilombolas e aos índios. Nas horas livres, Luislinda dá palestras em escolas públicas para que os jovens conheçam seus direitos e deveres.

     O Programa Justiça, Escola e Cidadania, idealizado por ela, atingiu mais de 5 mil estudantes. Sua militância também se estende à escrita: publicou o livro “O Negro no Século XXI”, uma reflexão sobre a participação dos afrodescendentes na sociedade atual, lançado na Escola Superior da Magistratura (Esmal) na IV Bienal Internacional do Livro de Alagoas.

     A magistrada baiana também é vencedora do Prêmio Claudia 2010 na categoria Políticas Públicas.